Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Sta. Ifigênia...
...?
Esse sábado foi dia de ir ao centro com meu pai. O que alguns encaram como uma chatice cotidiana, ou mais um problema pra resolver em dias aleatórios, para mim é uma grande aventura. Sim, eu confesso: do mesmo jeito que faz um garotinho de seis anos, eu fico atônito toda vez que eu penso em andar com meu pai pelo centro da cidade.
De algum modo, aquele caos maldito me fascina... Lá existe uma mistura de raças, tipos e idéias, tão intensa e confusa, que eu não seria capaz alocar duas pessoas lá em uma mesma categoria. Dos pilantras (com suas mesinhas desmontáveis da praça São Bento e no Viaduto Sta. Ifigênia, procurando algum distraído e crédulo transeunte, a fim de surrupiar alguns de seus momentos e talvez mais um pouco) aos policiais (chutando a mochila de um mendigo pela Julio Prestes afora), passando pelos hippies, pelos camelôs, pelos artistas incompreendidos e incompreensíveis, pelos Office-boys, pelos punks, pelos vendedores das lojas de Informática e aquele velho com o violão a tiracolo, uma pandeirola amarrada no pé e uma gaita na boca, diante de um chapéu com uma quantidade humilhante de moedas de tão pequeno valor.
Não me pergunte como sou capaz de amar um lugar tão estranho desses. Talvez me traga à memória tudo o que eu já aprendi sobre a grandiosidade da nossa cidade. São Paulo terra boa, São Paulo da Garoa... Os postes ricamente decorados das ruas, que já iluminaram saraus de grandes poetas e memoráveis bebedeiras, hoje servem de apoio a cartazes do tipo "Compra-se Ouro", "Compro Dólar", "Multas, Carteira Vencida?" e outra infinidade de coisas, que quase bloqueiam a fraca luz remanescente, que ilumina a noite solitária de um homem que fez da rua seu lar.
E o que imaginaria aquele rapaz de óculos escuros e camisa salmão - que me disse que me levaria a um cara que vende qualquer celular bem barato - se ele soubesse que a vendedora da loja ao lado tem uma queda secreta por ele? O que pensaria aquela chinesa do PenDrive que não sabia nem falar minha língua - mas não deixava escapar um centavo sequer dos seus produtos - se soubesse que assina na frente dos clientes recibos alegando que recebeu um salário três vezes maior que o valor que ela ganhou por esse mês todo? E que viria a pensar o garoto? Que viria a pensar o garoto que vende o PlayStation destravado e os cartuchos compatíveis HP, se ele tirasse o boné e olhasse pra cima, admirando o horizonte após a Galeria Pajé?
E que eles pensariam de mim e do meu pai, se olhassem pra nossa cara por cinco segundos e percebessem que estamos com o maior sorriso na cara, ele não sei por que, eu também às vezes não sei por que, mas acima de tudo porque sempre adoramos essa frieza humana envolvente que nos acaricia, vinda daqueles que não sabem que o sol saiu faz algumas horas, enquanto eles abriam as lojas, comiam um mixto quente na barraca da Jô ou tomavam um simples coado na padaria do Romeu.
Porque acima de tudo, o centro da cidade transpira humanidade. Porque as pessoas que estão lá não ligam nem um pouco que estão colando cartazes na casa centenária do Barão, porque precisam colar os cartazes, pra que estejam vivos no próximo mês, pra colar mais cartazes; porque cada novo cliente do garoto do PlayStation pode significar um almoço decente; porque o homem da camisa salmão só faz o que faz pelo prazer do esporte, já que não tinha nada melhor pra fazer com sua vida. E porque meu pai adora ouvir um “Pega Ladrão!” gritado a plenos pulmões na muvuca da 25, e é como se ele ganhasse na Mega-Sena... É... é bom pra caramba sair com ele, eu deveria fazer isso mais vezes... Sair de casa sem celular, tomar um café no Romeu e rir dos caras que caem no truque da empadinha. É, bichão, eu não troco esses fins-de-semana por nada...
“CDs, senhor? Software, Jogos, Windows?”
“Hoje não, grande. Deixa pra próxima...”
Que só quando cruza a Ipiranga e Sta. Ifigênia...
...?
Esse sábado foi dia de ir ao centro com meu pai. O que alguns encaram como uma chatice cotidiana, ou mais um problema pra resolver em dias aleatórios, para mim é uma grande aventura. Sim, eu confesso: do mesmo jeito que faz um garotinho de seis anos, eu fico atônito toda vez que eu penso em andar com meu pai pelo centro da cidade.
De algum modo, aquele caos maldito me fascina... Lá existe uma mistura de raças, tipos e idéias, tão intensa e confusa, que eu não seria capaz alocar duas pessoas lá em uma mesma categoria. Dos pilantras (com suas mesinhas desmontáveis da praça São Bento e no Viaduto Sta. Ifigênia, procurando algum distraído e crédulo transeunte, a fim de surrupiar alguns de seus momentos e talvez mais um pouco) aos policiais (chutando a mochila de um mendigo pela Julio Prestes afora), passando pelos hippies, pelos camelôs, pelos artistas incompreendidos e incompreensíveis, pelos Office-boys, pelos punks, pelos vendedores das lojas de Informática e aquele velho com o violão a tiracolo, uma pandeirola amarrada no pé e uma gaita na boca, diante de um chapéu com uma quantidade humilhante de moedas de tão pequeno valor.
Não me pergunte como sou capaz de amar um lugar tão estranho desses. Talvez me traga à memória tudo o que eu já aprendi sobre a grandiosidade da nossa cidade. São Paulo terra boa, São Paulo da Garoa... Os postes ricamente decorados das ruas, que já iluminaram saraus de grandes poetas e memoráveis bebedeiras, hoje servem de apoio a cartazes do tipo "Compra-se Ouro", "Compro Dólar", "Multas, Carteira Vencida?" e outra infinidade de coisas, que quase bloqueiam a fraca luz remanescente, que ilumina a noite solitária de um homem que fez da rua seu lar.
E o que imaginaria aquele rapaz de óculos escuros e camisa salmão - que me disse que me levaria a um cara que vende qualquer celular bem barato - se ele soubesse que a vendedora da loja ao lado tem uma queda secreta por ele? O que pensaria aquela chinesa do PenDrive que não sabia nem falar minha língua - mas não deixava escapar um centavo sequer dos seus produtos - se soubesse que assina na frente dos clientes recibos alegando que recebeu um salário três vezes maior que o valor que ela ganhou por esse mês todo? E que viria a pensar o garoto? Que viria a pensar o garoto que vende o PlayStation destravado e os cartuchos compatíveis HP, se ele tirasse o boné e olhasse pra cima, admirando o horizonte após a Galeria Pajé?
E que eles pensariam de mim e do meu pai, se olhassem pra nossa cara por cinco segundos e percebessem que estamos com o maior sorriso na cara, ele não sei por que, eu também às vezes não sei por que, mas acima de tudo porque sempre adoramos essa frieza humana envolvente que nos acaricia, vinda daqueles que não sabem que o sol saiu faz algumas horas, enquanto eles abriam as lojas, comiam um mixto quente na barraca da Jô ou tomavam um simples coado na padaria do Romeu.
Porque acima de tudo, o centro da cidade transpira humanidade. Porque as pessoas que estão lá não ligam nem um pouco que estão colando cartazes na casa centenária do Barão, porque precisam colar os cartazes, pra que estejam vivos no próximo mês, pra colar mais cartazes; porque cada novo cliente do garoto do PlayStation pode significar um almoço decente; porque o homem da camisa salmão só faz o que faz pelo prazer do esporte, já que não tinha nada melhor pra fazer com sua vida. E porque meu pai adora ouvir um “Pega Ladrão!” gritado a plenos pulmões na muvuca da 25, e é como se ele ganhasse na Mega-Sena... É... é bom pra caramba sair com ele, eu deveria fazer isso mais vezes... Sair de casa sem celular, tomar um café no Romeu e rir dos caras que caem no truque da empadinha. É, bichão, eu não troco esses fins-de-semana por nada...
“CDs, senhor? Software, Jogos, Windows?”
“Hoje não, grande. Deixa pra próxima...”